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I Encontro Brasil da Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza: muitos resultados, mas tudo ainda por fa



Entre os dias 10 e 16 de outubro deste ano de 2017 estiveram reunidos no Centro de Formação Vicente Caãnas (Luziânia-Goiás) representantes dos povos indígenas e apoiadores do mundo todo no I Encontro Brasil da Aliança dos Guardiões da Mãe Natureza. A Aliança, lançada por ocasião do COP21, é formada por representantes dos povos originários dos diferentes continentes, bem como por instituições internacionais com vistas a mostrar ao mundo a necessidade urgente de adoção de princípios de desenvolvimento menos destrutivo para com a Mãe Terra e seus habitantes.

No encontro, foram pontuadas questões e demandas locais das comunidades originárias nos países em que se encontram seus territórios, e que se refletem em escala mundial. Destacamos a participação de Ninawa Huni Kui - presidente da FEPHAC - como mediador de debates, e de Benki Piyãko do povo Ashaninka, que no sábado 14 de outubro apresentou uma palestra intitulada "Brasil: A escola da Floresta", tratando da experiência que vem sendo desenvolvida por seu povo em prol da sustentabilidade ambiental.

No caso do Brasil, várias questões são motivo de preocupação: o avanço do agronegócio sobre os territórios tradicionais dos povos originários, a recusa à adoção de um modelo de desenvolvimento não-predatório, a urgente demarcação de todos os territórios indígenas, o desrespeito aos acordos e convenções internacionais relativos à proteção aos direitos originários e a necessidade de consulta prévia, livre e informada aos povos ameaçados por projetos desenvolvimentistas decompromissados com o bem viver, a visível opção pela adoção de medidas legislativas visando suprimir e desrespeitar direitos e garantias fundamentais. Nisto, inclui-se, ainda, a ameaça da abertura às grandes corporações estrangeiras e internacionais do setor agropecuário e florestal do banco de sementes tradicionais, (Para saber mais sobre este assunto em específico, assista: https://www.youtube.com/watch?v=nUoXg8TdLd0&feature=youtu.be), dentre tantas outras ameaças e agressões aos povos originários habitantes no país.


O documento final do Encontro, intitulado "Declaração da Aliança dos Guardiões e filhos da Mãe Terra foi produzido ao longo de dois dias e lido por Ninawa Huni Kui em seção solene que marcou o fechamento do evento, reflete essas e outras preocupações dos participantes, e demonstra que, embora possa ser dito que a Assembleia terminou com saldo positivo, também fica a compreensão de ainda está tudo por fazer nessa luta que é, acima de tudo, pela preservação e continuidade da vida de todos nós.

A Assembleia teve cobertura de diversas mídias nacionais e internacionais, e a leitura do Documento final pode ser assistida no lik:


Confira abaixo a íntegra do documento final do evento:


Declaração da Aliança dos Guardiões* e filhos da Mãe Terra* uma voz global para os Estados e a humanidade para a preservação da vida no planeta para as futuras gerações:


Após a Assembleia dos “Guardiões da Mãe Natureza”, que ocorreu em 28 de novembro de 2015, em Paris, Povos Indígenas e aliados de todo o mundo lembraram-nos que as populações indígenas representam mais de 370 milhões de pessoas, em mais de 70 países, nos 5 continentes. Eles formam mais de 5000 grupos diferentes e falam mais de 4000 línguas.


Preâmbulo


Povos indígenas e aliados reunidos aqui em Brasília, Brasil, entre os dias 12 e 16 de outubro de 2017, convidados por lideranças indígenas do Brasil para fortalecer as recomendações propostas em 2015, em Paris. Essa segunda Assembleia reconhece nossas profecias e sabedoria que nos dizem que a vida na Mãe Terra está em perigo e que o tempo da grande transformação está chegando. Os Povos Indígenas têm cuidado incessantemente da Mãe Terra e da humanidade. Nós queremos continuar a fazer isso, com o apoio dos povos do mundo. Enquanto Povos Indígenas, nós estamos aceitando a responsabilidade designada por nossas profecias para dizer ao mundo que nós devemos viver em paz uns com os outros e com a Mãe Terra, para garantir harmonia dentro da Criação e de acordo com as leis naturais da Mãe Terra. Estamos pedindo por soluções efetivas que reconheçam os direitos dos Povos Indígenas. Pedimos para os líderes mundiais, os Estados, as Nações Unidas e a sociedade civil para romper com o sistema legal vigente e adotar um novo que trate a natureza e a Mãe Terra como entidades fundamentais, portadoras de direitos. Um paradigma, baseado no pensamento e na filosofia indígenas, precisa ser orientado, garantindo direitos iguais à natureza e horando a interrelação entre todas as vidas e a integridade territorial da Mãe Terra. Não há separação entre direitos dos Povos Indígenas e direitos da Mãe Terra.

Como consequência, nos demandamos aos Estados e à humanidade para:

  1. Tomar medidas para a adoção pelas Nações Unidas e pelos governos nacionais e locais, incluindo as estruturas de governança dos povos indígenas, da Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, expressada por 35 mil pessoas, representas e delegados, na Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, em Chochabamba, Bolívia, em abril de 2010. Essa Declaração é um chamado que estabelece princípios fundamentais e universais cuja missão é alcançar o reconhecimento dos direitos da Mãe Terra e de todos os seu seres vivos, como a fundação de uma cultura de respeito necessária ao Bem Viver* e à união de todos os habitantes da Terra, em torno de um interesse comum e universal: a Mãe Terra é viva, ela é a nossa casa comum e devemos respeitar e cuidar dela e das gerações futuras.

  2. Implementar e afirmar a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2007, em resposta à recomendação da Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Ratificar universalmente e aplicar estritamente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

  3. Todos os governos e corporações devem obter o consentimento dos povos indígenas de acordo com os princípios do Consentimento Livre, Prévio e Informado, por meio de decisão coletiva de acordo com seus próprios procedimentos, antes da aprovação de quaisquer projetos que afetem suas terras e territórios, reconhecendo o direitos deles de recusar qualquer projeto que impacte seus povos e modos de vida; incluindo indústrias tóxicas poluentes, agronegócio, mineração extrativista no subsolo* e desenvolvimento de mineração submarina oceânica; com avaliação de impactos nas áreas sagradas, na cultura e na saúde humana e ecológica. Os povos indígenas têm o direito de revogar, a qualquer momento, o consentimento que possa ter sido concedido.

  4. Levando em conta o conhecimento tradicional sagrado e indígena, pedimos a todos os Estados nacionais e governos locais que façam uma transição justa da economia baseada em combustíveis fosséis para uma energia 100% renovável, deixando todos os elementos da terra que quando queimados liberam gazes responsáveis pelas mudanças climáticas sob o solo e debaixo do fundo dos oceanos. Também exigimos a proibição de todas as novas prospecções e exploração de petróleo, areia betuminosa, petróleo o egás de xisto, fraturação hidráulica, carvão, urânio, gás natural, e incluindo as infraestruturas de transporte.

  5. Agir para fortalecer o Acordo do Clima de Paris de 2015 para integrar os direitos e necessidades dos Povos Indígenas. A preocupação número um dos povos indígenas e seus aliados é que o Acordo não é suficientemente forte e que as ambições precisam ser incrementadas com soluções reais para evitar as projeções dos cortes voluntários de emissões que ainda permitiriam um aumento médio da temperatura global acima de 3-4C°. Os povos indígenas educarão nossas comunidades e desenvolverão estratégias para agir abordando as seguintes questões: O Acordo de Paris é um acordo comercial que não faz nada além de privatizar, mercantilizar e vender compensações oceânicas, florestais e agrícolas, permitindo que os grandes responsáveis pela emissão dos gases de efeito estufa não só consigam escapar às exigências de redução de emissões, mas também possam lucrar com isso; o acordo baseia-se em outras energias sujas e destrutivas incluindo o faturamento hidráulico, energia nuclear, agrocombustível, sequestro de carbono e outras propostas tecnológicas que representam sérios riscos ecológicos; como o texto operacional do acordo omite qualquer menção aos direitos humanos e aos direitos dos Povos Indígenas, nós necessitamos participar, junto com os Estados, nos encontros das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, para incluir o conhecimento tradicional na Convenção – Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas; O Acordo não aborda os direitos a reparações devidas ao Sul Global pelo Norte Global; e a demanda por pagamentos de reparações e restaurações de perdas e danos em terras, territórios e meios de subsistência para povos indígenas do Sul e do Norte. Acreditamos que as mudanças climáticas não são simplesmente uma questão ambiental; são o resultado de um sistema econômico injusto baseado na busca por um crescimento sem fim, concentrando a riqueza nas mãos de poucos e sobre-explorando a natureza ao ponto do colapso.

  6. Adotar, com plena e efetiva participação dos Povos Indígenas, um tratado internacional que estabeleça obrigações vinculativas para as corporações transnacionais e outras empresas, em relação aos direitos humanos, de modo a incluir os direitos dos Povos Indígenas, e que reconheça plenamente todas as obrigações dos Estados aplicáveis a estes Povos, segundo os instrumentos internacionais em vigor.

  7. Implementar mecanismos e legislações para garantir o Consentimento Livre, Prévio e Informado para proteger os direitos de propriedade intelectual indígenas, respeitando as dimensões espirituais, sagradas e secretas desse conhecimento. Os Estados devem impedir a apropriação ilícita e ofensiva do conhecimento tradicional. No acesso e na partilha de benefícios, as disposições do Consentimento Livre, Prévio e Informado devem ser aplicadas.

  8. Tomar medidas relativas ao comércio ilegal de espécies selvagens, madeira, produtos e recursos florestais, recursos genéticos, espécies ameaçadas e outros recursos biológicos. Verificar a aplicação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, no que ela se aplica aos direitos dos Povos Indígenas.

  9. Reconhecer as ações das políticas corporativas e governamentais que resultam na destruição, degradação, contaminação e envenenamento tóxico do meio ambiente, dos ecossistemas e do habitat como crime ecológico contra a integridade territorial da Mãe Terra – também conhecido como ecocídio. Isto deve alinhar-se com a iniciativa de introduzir disposições do crime internacional de ecocídio no Tribunal Penal Internacional.

  10. Promover o estabelecimento de programas locais, sub-nacionais, nacionais e internacionais e iniciativas de cooperação e parceria para proteger, conservar e restaurar florestas nativas e outros ecossistemas do mundo, dentro e ao redor das terras e territórios dos Povos Indígenas, com a participação plena e efetiva destes povos, sem incluir sistemas mercantis. Esses programas devem compreender financiamentos para a demarcação e concessão de títulos de propriedade para comunidades indígenas dependentes da floresta e devem incluir o monitoramento e vigilância, aprovados pelas comunidades indígenas, de todas as suas terras. É exigida a autogestão e autodeterminação total dos povos indígenas no cuidado de suas florestas e biodiversidade. Esses programas devem ser avaliados com os Povos Indígenas, para serem replicados em outras regiões florestais, com mecanismos para permitir financeiramente sua implementação.

  11. Santuarizar urgentemente todos os espaços de floresta primária deste planeta, tradicionalmente sob a vigilância dos povos indígenas, tendo a ONU já reconhecido que a presença deles é um fator que garante a não deterioração desses ambientes inestimáveis. Os Povos Indígenas devem, de uma vez por todas, possuir e proteger esses territórios e não podem ser despejados. A Aliança ressalta a necessidade de criar, o mais rapidamente possível, com o apoio dos Estados, um estatuto jurídico internacional para proteger esses ecossistemas vitais de qualquer predação*. Esses ecossistemas não devem ser utilizados como parte do mercado de carbono, que quantifica e mercantiliza a Mãe Terra**, transformando-os em pagamento por serviços ambientais, comércio de carbono, compensações de carbono, fixação de preços de carbono, REED, MDL, compensações de biodiversidade e financeirização da natureza; transformando a natureza em “créditos” para serem vendidos no mercado financeiro.

  12. Alerta os Estados e os órgãos internacionais de governo e todas as pessoas para proteger e garantir o futuro dos oceanos, a biodiversidade oceânica, as espécies marinhas e as fontes oceânicas*. Se os oceanos morrem, nós morreremos. Os Povos Indígenas têm o direito de deter o título de propriedade do oceano, do leito marinho, das zonas marinhas, das águas costeiras e do gelo marinho através do Direito do Mar. Assim, para proteger e garantir o futuro do oceano e da biodiversidade oceânica, devemos implementar as seguintes ações:

- Cessar todos os subsídios dos governos do mundo às operações de pesca industrializada.

- Proibir todas as tecnologias de pesca industrializada como super arrastões, palangres, redes de deriva, cercadores, todas as redes e linha de monofilamentos de plástico, etc.

- Fazer cumprir os regulamentos internacionais contra operações ilegais de pesca.

- Proibir todas as atividades comerciais de caça à baleia. Isso não se aplica aos Povos Indígenas quando praticarem a caça de subsistência.

- Incentivar a diversidade promovendo o crescimento da população de peixes, mamíferos marinhos, aves marinhas e todos os outros organismos marinhos.

- Acabar com a alimentação de farinha de peixe (cerca de 40% do peixe capturado) para animais domésticos como porcos, galinhas, salmões, etc.

- Acabar com o despejo de produtos químicos, plásticos, resíduos agrícolas e materiais radiativos no mar.

- Acabar com a poluição sônica sob a forma de exploração sonar na busca por petróleo e de sistemas de armamento sônico.


13. Assegurar que a UNESCO proteja e respeite, com a participação plena e efetiva dos Povos Indígenas, segundo o CLPI, os lugares e espaços sagrados, dentro da diversidade biológica e cultural dos Povos Indígenas, juntamente com seus direitos territoriais e de governança.

14. Banir novas construções de hidrelétricas, como preconizado pelos Povos Indígenas. Para as hidrelétricas existentes autorizadas, pedimos que se aplique, de forma vinculante, a regulação internacional e nacional para sua construção e manutenção. A Aliança também recomenda o desmantelamento de barragens construídas em violação ao direito de consentimento livre, prévio e informado dos Povos Indígenas afetados e de todas as obrigações aplicáveis em vigor.

15. Reconhecer direitos para as gerações futuras, em particular por meio da adoção dos direitos (e deveres) da humanidade. O texto se destina a “lembrar que a presente geração tem o dever de proteger a herança legada pelas gerações passadas, mas também deve fazer escolhas que assegure sua responsabilidade em relação às gerações futuras”. O texto estabelece quatro princípios fundamentais. Ele estabelece o princípio da responsabilidade, equidade e solidariedade entre gerações, o princípio da dignidade humana, o princípio da continuidade da existência da humanidade, e finalmente a não-discriminação em virtude do pertencimento a uma geração.

Isso se alinha com as nossas visões de mundo indígenas, que expressam nossa consideração de que todas as decisões que tomamos afetarão as gerações futuras de nossos povos, as formas de vida e a natureza.

16. Nós, Povos Indígenas do mundo, declaramos que a água é um ser vivo que tem direitos que devem ser protegidos agora e para as gerações futuras. A água é um espírito vivo que tem o direito de ser tratada como uma entidade ecológica, com seus próprios direitos inerentes a existir, incluindo o direito dos lençóis freáticos e ecossistemas aquáticos, de permanecerem saudáveis e limpos. Água inclui água da chuva, rios, fonte dos rios, nascentes, geleiras, gelo, captação, fontes, lagos, riachos, cachoeiras, águas costeiras, afluentes, estuários, área de recarga, aquíferos e outros corpos d’água. Água não é uma mercadoria e os Estados devem acabar com a privatização da água. Todas as espécies da Mãe Terra têm direitos inerentes à água. Os Povos Indígenas têm direitos inerentes à água e às vias aquáticas para a navegação, usos culturais e tradicionais. Todos os Povos Indígenas têm o direito de acesso ao abastecimento adequado de água que seja segura para o consumo, a higiene e a alimentação humana.

17. Estados e todos os governos devem agir em prol das mulheres indígenas e encontrar novos meios para acabar com a violência ligada ao tratamento e objetificação, pela sociedade dominante, da Mãe Terra e das mulheres. A humanidade deve reconhecer a importância das mulheres indígenas como cuidadoras da biodiversidade. As mulheres têm a força e a resiliência para enfrentar os efeitos das mudanças climáticas e das injustiças ambientais causadas pelo homem. As mulheres indígenas e a Mãe Terra carregam as consequências desses efeitos, oriundos da sociedade capitalista patriarcal. Mulheres são prejudicadas pelos alojamentos dos trabalhadores das indústrias extrativistas, que resultam em abuso doméstico e sexual, comércio sexual e prostituição, alcoolismo e abuso de drogas, perturbando a manutenção da saúde familiar e comunitária indígena. Mulheres são “o Primeiro Meio Ambiente”. Crianças recém-nascidas são as primentiras vítimas. As mulheres sofrem os efeitos dos produtos químicos e das substâncias bioacumulativas em seus úteros, causando aborto espontâneo, contaminação do leite materno, prejudicando as gerações futuras. Mecanismos de financiamento devem ser criados para empoderar mulheres indígenas e suas comunidades, para que tenham voz a nível local, nacional e internacional, como tomadoras de decisão em políticas climáticas, energéticas, ambientais e de saúde. A invisibilidade de nossa humanidade está literalmente matando mulheres indígenas, crianças e gerações futuras.

18. Os povos indígenas em situação de isolamento voluntário têm o direito de aceitar ou recusar todo o contato. Estados devem proteger os territórios deles e reconhecer os Povos Indígenas já contatados pelas sociedades nacionais como guardiões da autonomia e dos direitos desses povos. Governos e indivíduos devem ser responsabilizados por violações dos direitos e por danos causados aos indígenas em situação de isolamento voluntário.













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